segunda-feira, 16 de junho de 2008

A maternidade

Ver os olhinhos quase abrindo daquela menina me causou uma emoção diferente. Uma alegria e uma ternura que vivem em mim e nem sempre tenho contato. Ela tem os olhinhos miúdos e castanhos e a pele rosada. Uma vida que acaba de começar nessa vida. Tantos aprendizados, tanta fragilidade. A natureza é meio milagrosa, assustadoramente milagrosa. E completamente embasbacada eu assisti aquele espetáculo da vida recém vivida, acabando de começar.
A minha amiga, que depois de tanta jornada de encontros, desencontros, moços bons, moços maus, moços confusos, outros tanto cafagestes, enfim, encontrara um homem leve e amor tranquilo, que sem desculpas ou rodeios se aprochegara a ela e lhe fizera uma filha. A tal menina que vi mexer na barriga cheia d'água da mãe e que agora estava ali, diante de meus olhos fazendo seus pequenos movimentos.
Ah, e tão lindo ver minha amiga, mãe. Ela que já vi desempenhando tantos papéis com tanta seriedade e disponibilidade, estava ali desempenhando aquele novo papel, talvez o mais doce de todos e o mais difícil: ser mãe. Mãe da pequena menina, que antes que meus olhos consigam se dar conta, já estará por aí a correr e a fazer perguntas provocativas. Ainda miúda ela anseia pelo bico do peito da mãe. Nenhuma das duas precisa de muitas lições para fazer o exercício que a natureza impeliu a mulher e a criança: nutrir uma a outra.
E diante desse milagre doce, que é a vida recém concebida, esqueço de todas as mazelas da humanidade, de todas as desumanidades. Aquela vida pedindo atenção, carinho, paciência e zelo aguçam e mim uma humanidade boa e que quero sempre por perto. A humanidade feminina de maternidade, de querer volver uma pequena ou pequeno nos braços e mostrar o bonito do mundo.
Ah, sim, quero essa alegria bonita. E já me vejo doida para ver de novo aquela pessoa em potencial, para vê-la chorar o choro agudo de quem ainda não forjou as palavras.
Sei pouco lidar com as crianças, elas me soam a algo difícil, que mexe talvez com meus fantasmas de criança. Mas me desperta também a mulher doce que há em mim. Que sonha com uma filha de grandes olhos e cabelo cheio, pele mestiça e lábios grossos, cheia de perguntas que eu não saberei, aquela mania de se esconder atrás da saia da mãe.
É fato, sonho com isso de ser mãe. De ser boa mãe. De ser doce mãe.
Parabéns a todas

quarta-feira, 11 de junho de 2008

Não há como fugir da carência

Mãe Clarice Lispector disse num dos seus escritos (que não tenho em mãos agora) que não há como fugir da carência. A carência está aí, está posta, nos cerca, nos atravessa, nos consome. É algo inerente ao espírito humano, é o que faz de nós humanos numa medida, bem como nos move em outra. Segundo Lispector, a carência não pode ser ignorada, nem subestimada. Não é algo desprezível (normalmente os homens desprezam mulheres visivelmente carentes, já ouvi alguns declararem ter nojo, como se neles não houvesse carência. Mas sempre tenho dúvidas sobre de que matéria são feitos os homens...isso é outro assunto), mas também não é algo superestimável. É algo nosso e merece ser cuidado com carinho.
Sou carente. E como disse, um dia ouvi um homem dizer que sente nojo das mulheres carentes. Isso me caiu muito mal na alma, porque embora e não estivesse se reportando a mim, transversalmente me agredia. Sou carente e ora lido bem, ora lido mal com as minhas carências. Normalmente as chicoteio. Outras vezes sou autocomplacente e faço grandes bobagens. Sou carente e desejo pessoas que não deveria desejar mais, ligo, escrevo, sinto vontade de ver, sonho com...e me chicoteio no final do dia. A carência em meu caso é uma espécie de flagelo. Porque ela me coloca em situações minimamente constrangedoras. Como um viciado, que rouba, se prostitui, vende a mãe para ter insumos para alimentar seu vício. A minha carência me faz adicta. Rastejando em torno das coisas que preciso.
E como disse, me chicoteio no final do dia.
Um passo feliz que dou de vez em quando é reconhecer: sou carente mesmo, mas não posso deixar a carência ser mais forte que eu. Como tia Clarice também disse "eu sou mais forte que eu". Se sou mais forte e minha cabeça vem em cima do meu coração, preciso pelo menos entender meus mecanismos, tentar mapea-los e compreendê-los (quando não evitá-los, que é o melhor dos passos).
Ligar para os ex é sempre um gesto de carência extrema. Não aguento, ligo. Me estapeio literalmente quando desligo o telefone, mas na seqüência alguns raciocínios ajudam a entender o gesto: faço por carência, por precisar ouvir aquela voz masculina, por uma aposta em algum cavalo já apostado na corrida. Mas muito pouco é por amor, é por paixão. Maior parte é por carência. Como disse, a tal muitas vezes nos coloca em situações minimamente esdrúxulas...
Dia desses senti vergonha. Fiz uma coisa que sabia que não devia ter feito, ignorando a minha própria prudência ou fiapo de orgulho. Fiz porque tinha uma esperança de que o cavalo pudesse correr tão rápido como das outra vezes. Não deu certo, ele refugou e eu me estapeei. Enterrei a cabeça no travesseiro.
Passou, porque depois de tomar uma dose de passiflora, me veio a consciência de que não era amor, de que não é paixão, nem um afeto assombroso. É só carência...e a tal me faz agir assim. Tudo sobre controle.
Mapeada a carência é reconhecer a sua existência, admitir e saber lidar com ela. Não sei lidar com a minha. Ela é meu mistério de esfígie, preciso decifrá-la antes que me devore. Mas hei de fazê-lo. Sou mais forte que ela.

sexta-feira, 6 de junho de 2008

Menstruo desde os dez anos, assim que completos. São 19 anos de sangue. Sangue, cólicas, lágrimas, nervosismo e gemidos. Aos 11 anos tive uma das piores cólicas de minha vida. Lembro que deitada no colo de minha mãe, eu pedia para não morrer. Porque nunca tivera dor tão funda e insuportável até aquele momento. O sofrimento persistiu por anos a fio. Não somente no momento em que ela descia, mas dias antes: dores de estômago, enxaqueca e muito,muito chororô.
Sem contar que o sistema imunológico costumava sair de férias, sempre que a amiga menstruação dava sinal de aproximação. Nessas momentos tive rubéola, dengue, catapora, depressão e o que ocorrer...
Assim fui tomando um certo horror de minha menstruação e estudando como diminuir seus impactos sobre a minha vida. Sim, porque eram impactos, bastante sofridos. O fato foi que aos 27 anos, eu decidi dar um basta nas agonias, vômitos, quedas de pressão, cólicas e diarréias mensalmente provocadas pela parceira. Adotei o esquema do anticoncepcional trimestral. Com ele tenho sido feliz há quase que dois anos.
Depois de tanto tempo, dei uma segurada no uso do remédio. Fui pra Chapada Diamantina e percebi que todas as mulheres me olhavam com certo espanto por eu optar por suspender minha menstruação. Comecei a achar que aquilo não devia ser bom. Que alguma coisa de errada eu estava fazendo com meu corpo.
Esse ano ainda não tomei minha santa injeçãozinha. Na última terça-feira, tive um acesso de choro. Uma resposta fria de um ex-caso foi o suficiente para eu me debulhar em lágrimas e me sentir a pior das mulheres. Feia, insossa, desprovida de atributos sexualmente interessantes, impossível de ser desejada, querida, amada. Ninguém no mundo olharia para mim. Chorando liguei pra uma amiga. Chorando fui para a academia. Chorando saí do meu ensaio, me sentindo ainda mais feia, mais desprezível, ainda acrescentando os dados de que não era também uma boa atriz. Fui dormir com o travesseiro molhado de tanto chorar. No dia seguinte, tinha meu lençol manchado. A menstruação descera. E com ela se apaziguara aquela dor toda, que não era necessariamente o que é a vida, mas a nuvem da tensão pré-menstrual.
Não sei. Por um lado sentia falta desse rio que corre pelo corpo. Mas por outro me desagradou ver que tudo continuava como antes: se eu quiser voltar a menstruar regularmente, tenho que preparar meus lenços e pedir que o mundo tenha cuidado comigo, pois posso cortar os pulsos.